Ars Vitae
quinta-feira, 8 de julho de 2010
quarta-feira, 30 de junho de 2010
É assim, a música
A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
– sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração – por fim
o branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas.
Eugénio de Andrade
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Deveria ser dado que morrêssemos
Deveria ser dado que morrêssemos
Com um amor ainda vivo em nós,
Como deveria ser dado a um pássaro
Morrer naturalmente em pleno voo.
Nuno Rocha Morais
domingo, 2 de maio de 2010
Só por isso, Mãe
Mesmo que a noite esteja escura,
Ou por isso,
Quero acender a minha estrela.
Mesmo que o mar esteja morto,
Ou por isso,
Quero enfunar a minha vela.
Mesmo que a vida esteja nua,
Ou por isso,
Quero vestir-lhe o meu poema.
Só porque tu existes,
Vale a pena!
Lopes Morgado
domingo, 25 de abril de 2010
terça-feira, 6 de abril de 2010
Para ser grande, sê inteiro
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis
terça-feira, 9 de março de 2010
sábado, 6 de março de 2010
Guarda a manhã
Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar
Porque tu és o meio da manhã
O ponto mais alto da luz
Daniel Faria
quinta-feira, 4 de março de 2010
São velhas as estrelas
São velhas as estrelas, e elas são
Grandes. Velho e pequeno é o coração,
E contém mais do que as estrelas todas,
Sendo, sem espaço, mais que a imensidão.
Fernando Pessoa
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Estava à tua espera
Estava à tua espera
desde o começo do mundo
no sentido da água dos indícios do fogo
pousaste o olhar
na luz que tardava
e em redor a neve ardeu
havia uma casa
um endereço uma magnólia incendiada
e nada alterou o itinerário das aves
estava à tua espera
desde o começo do mundo
na despedida dos anjos
no rumor matinal de Abril
com parcimónia escrevo
num talento breve e ao abrigo da noite
as razões desta areia iluminada.
Fernando Jorge Fabião
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Só mais um dia
Só mais um dia,
um dia luminoso e barulhento
por mim a dentro,
um dia bastaria,
em prosa que fosse.
Mas dá-me para a melancolia,
para a limpeza, para a harmonia,
impacientam-me as migalhas
de pão na mesa, as falhas
da pintura do tecto,
as vozes das visitas, despropositadas,
sinto-me sujo como um objecto,
desapegado, desarrumado.
Trocaria bem esse dia
por um pouco de arrumação
- no quarto e no coração.
Manuel António Pina
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Para pisar um chão com estrelas
imitando-me ao morcego
intimidei o dia a ser mais vertical.
assim o céu ganhou pés
a terra experimentou alturas.
apressas, pedi:
uma noite se antecipasse.
transfigurando conceitos
o palco do mundo vincava-se
de novas encenações.
estrelas chegaram.
lua teve dúvidas para posicionar-se.
encaminhando
andei sobre o céu sob meus pés.
assim revelei-me:
nunca é impossível
pisar um chão de estrelas.
...
logo-logo:
um grilo atirou-se a sorrisos.
Ondjaki
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
domingo, 7 de fevereiro de 2010
A última pincelada
Viveu em tempos um pintor que nunca conseguia acabar de pintar uma ave, fosse ela uma cegonha ou uma garça. Quando se preparava para dar a última pincelada, ela levantava voo.
E o pintor ficava muito tempo ainda a persegui-la com o pincel no céu azul...
Jorge de Sousa Braga
Poema Mestiço
escrevo mediterrâneo
na serena voz do índico
sangro norte
em coração do sul
na praia do oriente
sou areia náufraga
de nenhum mundo
hei-de
começar mais tarde
por ora
sou a pegada
do passo por acontecer
Mia Couto
sábado, 6 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
241
Quando me aproximo do mar
tudo me parece aceitável.
As ondas são folhas que vão
a caminho da perfeição.
Perfeito é pois quem do tempo
tem a longa paciência —
também a tenho quando escuto
a nervura mágica de tudo,
um tudo feito de sombras
que amaciam a pedra luminosa
que todas as coisas são.
Saltando de estação para estação
como se o caminho se fizesse,
sereno, entre o mar e o céu.
As ondas que vejo cair
também as sinto nas areias de mim
como se tudo, na barca deste mundo,
fosse mar e luz.
Por isso a minha vida é intensa
e velha como a paciência
que não cessa de se renovar
no sangue da pedra, e das aves.
Casimiro de Brito
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
domingo, 31 de janeiro de 2010
É assim, a música
A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
– sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração – por fim
o branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas.
Eugénio de Andrade
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Gastei uma hora pensando um verso
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Boletim Meteorológico
Céu muito nublado vento
fraco moderado de sudoeste
soprando forte nas terras
altas aguaceiros em especial
nas regiões do Norte e Centro
e que serão de neve nos
pontos mais altos da Serra
da Estrela e no teu coração.
Jorge de Sousa Braga
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Da Música
A música derrama-se
no corpo terroso
da palavra. Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.
A música traz na bagagem
a memória do sangue; o caminho
do sol: Lume e cume
de palavras polidas.
A música rompe um rio de lava
por si mesmo criado. Lágrima
endurecida
onde cabem o mar
e a morte.
Casimiro de Brito
domingo, 17 de janeiro de 2010
Pastoral
Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.
Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há, de certeza, duas folhas iguais.
Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
bainha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.
Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.
Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes,
são sempre diferentes.
Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.
Mas outras não jazem,
nem caem nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.
É dessas que eu sou.
António Gedeão
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
Um dia de chuva
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Alberto Caeiro
domingo, 13 de dezembro de 2009
A verdade de outra pessoa
A verdade de outra pessoa
não está no que ela te revela,
mas naquilo que não pode revelar-te.
Portanto, se quiseres compreendê-la,
não escutes o que ela diz,
mas antes, o que não diz.
Kahlil Gibran